Desporto, Saúde e Estilos de Vida

A nossa compreensão sobre o conceito de saúde evoluiu bastante ao longo do tempo. Antigamente associada apenas à ausência de doença, hoje é entendida numa perspetiva muito mais ampla e integrada. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de enfermidades. A Carta de Otava, por sua vez, reforça esta ideia, descrevendo a saúde como um recurso indispensável para a vida quotidiana. Ou seja, a saúde constrói-se diariamente, com as nossas escolhas, atitudes e através dos contextos onde estamos inseridos.

Contudo, no mundo contemporâneo, enfrentamos uma nova ameaça silenciosa: uma epidemia de comportamentos de risco. Estes manifestam-se sobretudo através do sedentarismo, do consumo excessivo de substâncias como álcool, tabaco, alimentação desregulada, sono insuficiente e níveis de stress elevados. São consequências diretas de estilos de vida acelerados, urbanos e, muitas vezes, desajustados às necessidades reais dos jovens.

Neste contexto, o desporto e a atividade física surgem como aliados fundamentais na promoção de estilos de vida saudáveis. No entanto, os dados de investigação revelam realidades que desafiam o senso comum. Um estudo recente mostra, por exemplo, que os níveis de consumo de tabaco entre desportistas e não desportistas são semelhantes, em ambos os sexos. 

  • Rapazes desportistas mais velhos tendem a fumar menos, enquanto que as raparigas desportistas mais velhas revelam níveis de consumo superiores
  • Quanto ao consumo de álcool, os dados são ainda mais preocupantes: os jovens desportistas, independentemente do sexo, apresentam consumos mais elevados do que os seus colegas não praticantes
  • E entre os mais velhos, os rapazes, quer pratiquem desporto ou não, apresentam valores semelhantes, mas as raparigas desportistas destacam-se pelo aumento do consumo.

No que diz respeito à alimentação, os dados apontam para uma realidade equilibrada entre desportistas e não desportistas, de ambos os sexos. Ainda assim, os rapazes desportistas tendem a consumir ligeiramente mais alimentos, tanto saudáveis como não saudáveis, o que reflete um padrão misto de comportamento alimentar.

Estes dados revelam algo de essencial: praticar desporto, por si só, não garante hábitos de vida saudáveis. É fundamental que exista um trabalho educativo paralelo, com enfoque na literacia em saúde, na consciencialização dos comportamentos de risco e na promoção do pensamento crítico. De facto, uma elevada percentagem de adolescentes não associa os seus comportamentos de risco a consequências diretas para a saúde. Isto significa que o tradicional discurso do "não faças isto porque faz mal à saúde" muitas vezes não é eficaz, nem verdadeiramente compreendido pelos jovens. A mensagem precisa ser repensada, adaptada e contextualizada — focando-se mais nas vivências, nas escolhas reais e nas implicações práticas.

Neste cenário, o papel do professor de Educação Física ganha uma dimensão ainda mais relevante. Não se trata apenas de ensinar técnicas desportivas, mas sim de educar para o bem-estar e para a autonomia. Cabe ao professor:

  • Esclarecer os benefícios reais da atividade física, ao nível físico, mental e social;

  • Incentivar hábitos de vida saudáveis, como a alimentação equilibrada e o sono regular;

  • Abrir espaço ao diálogo sobre temas como o stress, os vícios, a imagem corporal e a pressão social;

  • Fomentar o espírito crítico, especialmente face à influência dos conteúdos que os jovens consomem nas redes sociais, muitas vezes promovidos por influencers sem qualquer formação.

Num mundo digital, os adolescentes estão constantemente expostos a conselhos sobre treino, dietas e bem-estar — muitos deles baseados em mitos ou ideias perigosas. O professor deve assumir o papel de mediador e guia, ajudando os alunos a interpretar e filtrar a informação, promovendo a literacia em saúde como ferramenta de empoderamento pessoal.

A célebre expressão "há formas saudáveis de se ser 'doente' e formas doentias de se tentar ser 'saudável'" ajuda-nos a refletir sobre o equilíbrio. Um jovem com uma condição crónica bem gerida pode ter uma vida plena e ativa, enquanto alguém aparentemente "em forma" pode estar a destruir o seu corpo com treinos excessivos, dietas restritivas ou práticas perigosas. Ser saudável é encontrar equilíbrio — físico, mental e emocional — e saber respeitar os próprios limites.

Como dizia Foucault, "educar é promover, provocar e emancipar". Neste sentido, o professor de Educação Física deve ser um agente de transformação: não apenas alguém que ensina a correr ou lançar uma bola, mas sim alguém que inspira a viver melhor. O desporto, quando acompanhado de reflexão, diálogo e valores, é muito mais do que uma prática física — é um meio de educar para a vida. E isso, hoje, é mais urgente do que nunca.

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